quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Em tempo de Epidemia e Pandemia


Em tempo de Epidemia e Pandemia *


“E rogava-lhe muito, dizendo: minha filha está moribunda; rogo-te que venhas e lhe imponhas as mãos para que sare, e viva” ( Marcos, 5:23.)


O escritor e orador espírita Ramiro Gama relata em seu livro “Lindos Casos de Bezerra de Menezes” um episódio que muito nos serve aos dias atuais. Relata que um companheiro de trabalho, zeloso de sua saúde, por ouvir constantemente as advertências de seus familiares quanto ao hábito de visitar enfermos e aplicar-lhes o passe magnético, consultou o Dr. Bezerra de Menezes em uma de suas visitas ao médium cristão Chico Xavier. Inquiriu-o dessa forma: “Diante da necessidade de assistência direta a um irmão nosso em humanidade, portador de moléstia contagiosa, como a tuberculose, (assustadora naquele tempo) a lepra, como devemos proceder?Responde-lhe o nobre Espírito: “Cremos que a higiene não deve funcionar em vão, por isso mesmo não vemos qualquer motivo de ausência de nosso esforço fraterno junto aos nossos enfermos, a pretexto de preservarmos a nossa saúde, de vez que de nós mesmos temos ainda pesados débitos a resgatar. Evitar o abuso é dever, mas, acima de quaisquer impulsos de auto-defesa em nossa vida, prevalece a Caridade, com seu mandamento de Amor, sacrifício e luz”.Esse comentário me volta à mente nestes tempos de pânico entre a população de muitos países, incluindo agora o Brasil, em função da nova gripe (H1N1) que tem vitimado algumas pessoas.Não obstante o perigo que representa a referida pandemia, penso que, em nosso país, ela não matará mais que a falta de educação no trânsito, a ignorância que parece não incomodar as pessoas, a ira guardada na alma, a violência que grassa por todos os lados. Em relação à gripe, porém, andamos todos assustados, mobilizando recursos de defesa para não sermos surpreendidos pelo vírus. Buscamos informações detalhadas sobre os primeiros sintomas da doença, equipamo-nos com gel desinfetante na bolsa, usamos máscaras e outros apetrechos.

Também evitamos as pessoas diante de qualquer sinal de gripe. Uma amiga que é alérgica e, por isso, tem episódios de rinite e obstrução nasal, reclama do olhar de medo que as pessoas lhe dirigem, dela se afastando na rua e nos transportes coletivos. “Estou sob o impacto da exclusão” – comenta – referindo-se a esse procedimento que tantas vítimas tem produzido em todos os tempos. Já estamos evitando viagens, interrompendo essa forma saudável que modernamente tanto contribui para integrar os membros dispersos da família humana. É triste, pois a busca da convivência constitui uma necessidade básica do ser humano e é hábito que vem de tempos ancestrais, responsável por episódios memoráveis de nossa história, desde as rudimentares movimentações de tribos primitivas até a epopéia dos mares e, modernamente, ao passeio audacioso entre as estrelas, à procura de novos seres e novas civilizações. Tomara que o medo do contágio não reduza nossa tão produtiva curiosidade, nem apague a coragem da auto-superação que nos mantém fiéis aos ideais de progresso que dão sentido especial à vida humana.Quanto ao comportamento diante da gripe que nos atemoriza, compreendemos e justificamos tal zelo. André Luiz, comentando a conduta do espírita perante o Passe, adverte: “Interditar, sempre que necessário, a presença de enfermos portadores de moléstias contagiosas nas sessões de assistência em grupo, situando-os em regime de separação para o socorro previsto”. “A fé não exclui a previdência” – sentencia o Espírito”. (1) Também não podemos dispensar passes ou participar de reuniões que aconteçam a portas fechadas, se estamos gripados. Obviamente, não devemos pôr em risco a saúde das pessoas que nos procuram. As precauções são nossa garantia, mas se, apesar disso, acontecer a contaminação, é porque ela nos será útil de alguma forma, “temos ainda pesados débitos a resgatar”, como assinala o querido Dr. Bezerra.

Em cada situação, o que deve marcar nossa ação são os objetivos que movem a nossa presença aqui ou ali. O que estimula nosso movimento? Quando se trata de socorrer o doente, de cumprirmos nossa tarefa cristã, concordo com o Médico dos Pobres quando nos diz que uma vez tomados os cuidados higiênicos imprescindíveis, não há motivos para afastamento da tarefa maior de amor. Jesus pedia aos seus discípulos que fossem “curar os doentes” em seu nome. Generalizou e não especificou qual o tipo de doença deveria ser evitado. O próprio Cristo curou vários leprosos. E numa época em que estes viviam segregados da sociedade, em tristes vales de sofrimento e revolta.

Estar junto aos doentes é uma das condições enumeradas por Jesus para nosso encaminhamento ao Reino de Deus. No relato de Mateus (cap.25 vers. 35-36), conhecemos os pré-requisitos básicos para merecermos a convivência nos planos mais altos da vida espiritual. É sempre bom relembrá-los: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era forasteiro e me hospedastes, estava nu e me vestistes, ESTIVE ENFERMO E ME VISITASTES, preso e me fostes ver.” No elenco de atitudes enumeradas pelo Mestre, está o contato humano, está fixada a presença socorrista e alentadora nas dores físicas e morais de nossos companheiros de humanidade.

Enumera Jesus ações de conforto ao corpo e de reconforto à alma, na certeza de que o desconforto do corpo é conseqüência sempre dos incômodos da alma doente. Haverá forma mais suave de integração? É a mais verdadeira, porque baseada em atitudes que se eternizam criando laços e fixando lições de amor que tendem a se multiplicar.

Estava inspirado o imortal Austregésilo de Athayde quando afirmou: “A minha maior preocupação enquanto participei dos trabalhos de elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pensando nas diversas dificuldades com as quais me defrontava, foi a criação de um liame moral e espiritual entre os diversos povos do mundo, isto é, estabelecer a Universalidade do Espírito”. E conclui: “Os laços econômicos e políticos não bastam e são precários. É preciso buscar além e mais alto, numa concepção mais larga do destino humano, a trama da humanidade. A razão da Paz e da fraternidade está fora dos códigos humanos”. (2)Pensamos com Emmanuel que toda dor que atinge a humanidade “é reflexo da mente humana, desvairada pela ambição e pelo egoísmo”. E, em sendo conseqüência de nosso mal interior, só o bem simbolizado na justiça que alimentarmos na alma se fará antídoto eficiente para reduzir as dores na Terra. Reforçando nosso argumento, está a palavra de Jesus sobre a dificuldade dos dias que hoje vivemos. Vale repetir sempre: “Se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria, mas por causa dos justos serão abreviados aqueles dias”. A única corrente que podemos fazer para nos defender nessa hora é a da ação constante e perseverante no bem, de modo a contagiar a todos com a nossa alegria de servir; é intensificarmos a atitude de amparo uns aos outros. É o exercício da solidariedade que entendo como o embrião do amor que há de ligar os homens um dia como membros da Família Divina.

Voltemos ao conselho sábio de Dr. Bezerra de Menezes, cujo aniversário na Terra comemoramos em 29 de agosto, e a quem reverenciamos como um Espírito que nos ensina a amar. O médico querido de todos sobreviveu para legar-nos muitos exemplos, mesmo depois de socorrer a tantos doentes durante a terrível epidemia da gripe espanhola que tantas vidas ceifou em nosso país, no ano 1918. Cuidemos de nós mesmos, através do cuidado constante com os outros. Mas façamos tudo sem medo, porque o medo é energia de baixo teor vibratório e é contagiante.

Cultivemos a serenidade ante os fatos que nos surpreendem a cada dia, porque nossa mente é núcleo de força e “a idéia é um ser organizado por nosso espírito a que o pensamento dá forma e à qual a vontade imprime movimento e direção”.

É preciso cultivar bons pensamentos, que envolvam a atmosfera circundante em halos de serenidade, alegria e saúde. É indispensável, também, disciplinar nossos lábios no sentido de coibir a emissão de palavras que mais possam atemorizar, adoecer e espalhar a desesperança entre pessoas sofridas à nossa volta.Marchemos, resolutos e cheios de esperança, na certeza de que Jesus seguirá sempre à nossa frente, livrando-nos do mais terrível de todos os contágios, o contágio da indiferença.


BIBLIOGRAFIA:

1- XAVIER, Chico- André Luiz- “Conduta Espírita”- FEB

2- VASCONCELOS, Humberto. “O Silêncio foi Quebrado. Ed Doxa- Recife-Pe. 2006.


* Artigo a ser publicado na próxima Revista Espírita de Campos

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